quarta-feira, maio 23, 2007

Tintin por Tintim

Dia 22 de Maio, para além já me ser um dia muito especial por ser o aniversário de três das pessoas que mais prezo nesta vida, entre as quais a minha professora primária, é também o dia de aniversário de uma das pessoas que mais influenciou a minha maneira de ser, de pensar, resumindo, de viver: Georges Rémi.
Para os mais distraídos, ou simplesmente desconhecedores, Georges Rémi é HERGÉ, autor da BD "Les aventures de Tintin", um dos símbolos da literatura francófona e universal. No nosso país, Tintim (com o "M" no fim, aportuguesado) não tem muitos fãs quando comparado com outros "primos" mais novos como Astérix, Lucky Luke ou Blake&Mortimer, na verdade, não conheço nenhum que seja tão fã e conhecedor do jovem repórter da poupa quanto eu, tenho pena.
Dispensando a tagarelice histórica que podem verificar em inúmeros sites, apenas pretendo tentar demonstrar porque gosto tanto deste boneco que desde muito cedo aprendi a ver como um amigo. Pelos meus 7 ou 8 anos, não sei precisar, recebi de prenda de aniversário do meu querido amigo Pepe um livro cujo título é As Aventuras de Tintim - O Tesouro de Rackham o Terrível. Nesse dia, sem querendo ser demasiado romântico e dizer que a minha vida nunca mais foi a mesma, arrisco no entanto a dizer que, nesse dia, grande parte da minha futura personalidade terá ficado esboçada.
Na altura gostei simplesmente do livro, como gostava já de muitos outros, a história rodava à volta de um tesouro algures no fundo do mar lá para os lados das caraíbas. As cores, os desenhos simples mas claros e os personagens, um dos quais aparecia neste título pela primeira vez (Professor Tournesol ou Girassol) fascinaram-me e fizeram-me não me esquecer de comprar outro título da colecção assim que a oportunidade surgisse. Sinceramente não me lembro do que veio a seguir. Simpatizei logo com aquele boneco loiro, com uma poupa engraçada e que tinha um cão que pensava ser um Caniche mas que afinal não, era um Fox Terrier, afinal, nessa altura percebia tanto de cães como de BD. Achei Tintim inteligente, decidido e aventureiro, coisas que eu estava determinado a ser, embora hoje não seja tanto como gostaria, mas isso são outras conversas; e conseguia atingir os seus objectivos honestamente, sem batotas e sem a ameaça de armas.
Hoje, passados mais de 15 anos dessa altura, sei muito bem porque continuo a adorar passar intermináveis horas a ler as suas várias mas infelizmente poucas aventuras: porque me identifico com quase todos os personagens fixos! Passo a explicar:
Tintim --> É repórter mas nunca lhe conhecemos escrita alguma, também eu adoro escrever, sou viciado em noticiários e documentários e às vezes interrogo-me se não será essa a minha vocação, algo ligado a comunicação. Tem facilidade em fazer amigos, é inteligente e astuto, vivo mas simples, e tem como inseparável companheiro um cão, é justo e faz questão de enfrentar tudo aquilo que vai contra os seus princípios.
Capitão Haddock --> O personagem que aparece n' "O Caranguejo das Tenazes de Ouro" pela primeira vez não engana: é um bêbedo. O velho lobo do mar, presidente da Liga dos Marinheiros Anti-Alcoólicos adorava ir ao porão sacar umas garrafas de whisky Loch Lomond que acompanha com uma bela cachimbada, gosta de gozar os prazeres da vida, sejam eles um passeio no jardim ou um temporal em alto mar, é intempestivo, impulsivo mas de bom coração, amigo dos seus amigos, casmurro que nem uma mula, de sangue nobre mas também ele simples, no fundo. A partir do momento em que se envolve com Tintim, jamais o deixará partir sozinho numa aventura, embora ameace muitas vezes não ter paciência para «taratatas», acaba sempre por abandonar o conforto do Castelo de Moulinsart, onde vive com os seus amigos e o fiel mordomo Nestor. É, apesar de tudo, um cavalheiro, notório quando atura Bianca Castafiore, mesmo não suportando um segundo da sua (diz que) bela voz! Ah, tem também um vocabulário hilariante, e de fazer corar um carroceiro...
Professor Girassol --> Este reputado sábio que não é surdo «apenas duro de ouvido» é o clássico cientista. Inteligentíssimo, solitário, distraído na quinta casa; sempre a magicar novas engenhocas, projectos e invenções, sejam elas uns patins a jacto, ir à Lua, uma nova espécie de rosa ou armas de destruição maciça. Defensor acérrimo da radiestesia, os seus diálogos com os restantes personagens são por demais cómicos, derivado dos equívocos provocados pela sua deficiência auditiva. É graças a ele que, n' "O Tesouro de Rackham o Terrível" os nossos amigos conseguem resgatar alguns destroços d'O Licorne, descobrir o tesouro e, assim, adquirir o Castelo de Moulinsart, outrora propriedade dos antepassados de Haddock. É também um cavalheiro, profundamente educado e seguidor das regras de etiqueta e um dos maiores fãs de Bianca Castafiore.
Dupond e Dupont --> Este par de gémeos, cuja única diferença subtilíssima reside no modo como os seus bigodes enrolam, são, segundo consta os dois melhores detectives da polícia belga. Mas desengane-se quem pensar que têm algo a ver com Poirot pois durante a série inteira não os vemos a deslindar um único caso. Algumas detenções sim, a maior parte de inocentes, malentendidos com fartura e acidentes caricatos são o prato do dia destes gémeos cujo esforço é de louvar, mau grado a sua ingenuidade, que lhe causa a eles e aos companheiros alguns dissabores menores. De salientar também que as suas técnicas de dissimulação e camuflagem não primam pela discrição...
Bianca Castafiore --> "O Rouxinol Milanês" alcunha dada pelos media à bela soprano italiana não se consegue perceber. Tem um público infindável, faz tournées pelo mundo inteiro, recebe presentes milionários de fãs ricos e abastados, alguns deles pouco recomendáveis, mas quando dá as primeiras notas de "A Ária das Jóias de Fausto" de Gounod parece torturar tudo e todos. É, porém, uma senhora rica e uma rica senhora, tanto para os seus amigos, que faz questão de tratar muito bem, como exigente para os seus colaboradores: a sua camareira Irma e o seu pianista Wagner. Também ela a distracção em pessoa, que ninguém se lembre de lhe servir esparguete mal cozinhado, mas se a quiserem derreter, é só elogiar-lhe a voz ou a sua portentosa figura...
Milu --> Milu é talvez, o personagem onde é mais mágica a escrita e imaginação de HERGÉ; os leitores nunca percebem se estão perante um cão se uma cadela, se fala e comunica directamente com o dono, ou se apenas desabafa os seus estados de espírito. Fiel, mas perdido (sempre vi Milu como um cão) por um bom osso, consegue ainda desenrascar Tintim uma data de vezes, e conseguindo ainda também ele, à conta das circunstâncias, apanhar umas camadas de whisky...
Com todos estes personagens eu me identifico de uma ou de outra maneira: o idealogismo de Tintim e a sua predisposição para a aventura; a tempestuosidade e infinita teimosia de Haddock assim como o seu vernáculo; a curiosidade e incessante busca de conhecimento de Girassol, aliadas ao alheamento do mundo "real"; a ingenuidade e incapacidade de esconder certos defeitos como os Dupondt; leal e amigo como Milu. Só não sei cantar mas provocaria o mesmo efeito que a Bianca Castafiore se não cantasse «AAAAAAHHHH! RIOOOOOOOOOOOO-ME DE ME VEEEEEEEEEEEEER TÃÃÃÃÃÃÃÃÃAO BELA NESTE ESPELHOOOOOOOO!!!!!" só no chuveiro...
Georges Rémi - HERGÉ teria hoje 100 anos. Este é o meu singelo agradecimento por tudo quanto aprendi com a sua obra, que me inspirará por tantos anos quantos os que eu viver...