sexta-feira, março 29, 2013

O FIM DA PICADA!


O Sócas voltou do Louvre e Portugal entrou em alvoroço como já não se via desde o tornado do Algarve, a Fanny a mostrar a fanny e o benfas de Jorge Jesus campeão! Foi o fim da picada. Não sei ao certo o significado nem a origem desta expressão mas pronto. Gosto dela e emprego-a. Foi o FIM DA PICADA!, meus amigos.
Eu fiz, perante as ameaças permanentes de nos transformarmos num país magrebino mas pouco civilizado, questão de não ver a entrevista. Ganhei as mesmas.
No day after é que dói a ressaca. Eu não vi a entrevista, mas ressaquei, tal não foi o escarcéu de reacções e revoluções, promoções e cartões (estou a referir-me a eventuais remodelações governamentais e cartões de militantes e não aos do Pingo Doce), “charlatões e aldrabões”. Eu estava a tentar não me manifestar (é uma mania que eu tenho quando outros o fazem), eu tentei resistir, mas porra, pá! É o mesmo que um celeb porn. Um gajo não resiste à curiosidade. E o que vi nas edições online dos jornais e redes sociais, estupidificou-me (mais ainda, sim, imaginem!).
Ora vamos lá ver se eu consigo ordenar as ideias:


                                                  



1. Um ex-primeiro ministro, de sabática na Francia, a viver à la gardère em Paris sem ter um tusto declarado, volta direitinho para o horário nobre da estação pública de televisão para um programa de comentário político, sem passar na casa partida e sem receber os 2000$00. A malta que não votou nele, não gosta. Vá de petições. A que tem mais assinaturas nem sequer é uma petição, é uma ordem, pá! “Recusamos” é o que lá está escrito. Como se alguém tivesse perguntado alguma coisa à malta. Uma petição, caso as pessoas não saibam, é uma espéce de pedido, isto é, convém ter um pouco de humildade e modéstia na maneira como nos dirigimos a quem a petição é feita: “Poderá, por obséquio, mandar o Sr. Diz-Que-Afinal-Até-É-Engenheiro-Olha José Sócrates pastar!?” ou “Seria indelicado solicitar a quem de direito, proclamar a degolação ou linchamento popular mal o Primeiro Ministro dos XVII e XVIII Governos Constitucionais cruzar a fronteira em Vilar Formoso?” Isto, meus amigos, poderia ser uma petição. Agora “Ah e tal, recusamos, pá!” é bronco! É bacoco! É patêgo! É de labrego! É à PREC, camaradas! Nem parece que veio de um CDS, mas pronto, vocês lá sabem. É por estas e por outras que continuo a dizer que o principal problema dos nossos partidos políticos é na comunicação e relações públicas, e isso só é positivo nos casos do PNR e do PAN.
2. O sim ou não. O bem ou mal. O deve ou não deve. Tudo binómios que regulam a nossa atitude perante a vida. E o que tem isto a ver com o Sócas? Nada. Foda-se, se querem contratar o homem, pois que contratem, digo eu! Se lhe querem pagar, pois não concordo, mas afinal, que mal é que tem? O gajo aparentemente também não precisa de guito para viver no luxo, pode ser que até o dê para a caridade e indirectamente a RTP faça, de facto, serviço público. Dêem lá uma abébia ao senhor, se fazem favor, porque se lhe deram milhões de votos para nos governar, agora ao menos que já não nos pode governar, deixem-no estar. Se um atleta de alta competição se reforma e faz comentários na tv, porque não o pode fazer um político fora de forma? Teremos que admitir que pelo menos o nosso ex-primeiro-ministro não manda tantas bojardas na gramática como todos os neurónios do João Vieira Pinto, do Futre e do Jorge Jesus juntos. E esses têm tempo de antena todos os dias.
3. Eu acho que o senhor, ontem, hoje ou amanhã tem muito que conversar connosco. Muito mesmo. Eu até me disponho a ouvir o senhor. Dá-me jeito saber, por exemplo, como é que se faz para entregar exames por fax ao Domingo. Se já tenho um trabalhão para os profs me responderem aos mails, imaginem por fax. Ontem só não vi a entrevista por duas razões: porque estava em Alvalade a ver a tomada de posse dos órgãos sociais do meu querido Sporting (em Portugal dá-se o fenómeno de a bola parecer uma coisa séria e racional quando comparada com a política), e porque nem sequer tenho TV e convenhamos que ver uma entrevista a José Sócrates num café, não é o mesmo que ver o Belenenses-Guimarães prá taça, que estava a dar àquela hora.
4. Outra coisa que me chamou a atenção hoje, foi o peito emproado da RTP. Já fazem separadores auto-promocionais TVI style e tudo. Música de filme de acção, números a passar e uma voz grave a narrar: “A ENTREVISTA MAIS VISTA DE SEMPRE EM PORTUGAL!... O MAIOR SHARE DE AUDIÊNCIAS EM 2013 SEM O DECOTE DA CRISTINA FERREIRA!... O REGRESSO DO GAJO QUE FOI NOMEADO PELO CORREIO DA MANHÃ COMO O QUARENTÃO MAIS SEXY DE PORTUGAL...JOSÉÉÉÉÉÉÉÉ SÓCRATEEEEESSSSSSSSS!” Aliás, agora a sério, e em relação ao Correio da Manhã, aí terei que estar do lado do Sócrates. Ora o homem até pode ser sexy segundo alguns padrões,  como os do José Castelo Branco, por exemplo. Mas ser nomeado o quarentão mais sexy pelo CM não é o mesmo que receber o mesmo galardão de um DN ou de um Expresso caramba. Eu também ficaria melindrado e quereria ajustar contas.
5. Reacções: Para os socialistas, é o D. Sebastião. Engraçada, essa associação. A malta não sabe História. O D. Sebas finou-se em Marrocos, armado aos cucos, depois de levar na pá de uns talibans lá do sítio. E quanto àquela lenda do voltar num cavalo branco num dia de nevoeiro...hé...que eu saiba o D. Sebastião nunca voltou, ou se voltou, voltou incógnito, e se queriam cavalos brancos e nevoeiro podiam ter antecipado o regresso em um mês, porque agora já estamos na primavera, ainda que não pareça. Mas continuando: “PUMBA! Pôs o Cavaco no sítio!”, como se o homem alguma vez nos últimos 6 meses tivesse saído do sítio dele.


                                              



6. Reacções: À esquerda do PS “Cri...crii....bzzzzz...criii...”
7. Reacções: O PSD, esse escudeiro da lealdade constitucional, esse maratonista anti-corrupção, esse cavaleiro das boas prácticas éticas e deontológicas, veio dizer que era inadmissível, que o senhor se quer candidatar a Belém (compreensivelmente, pois com Cavaco no poleiro, o PSD só tem Marcelo elegível e prof já não deve ter stamina para atravessar o estuário do Tejo a nado outra vez), que foi 100% culpado da situação a que o país chegou, etc... Ehpá eu não ligo muito a política, mas acho que foi o PSD que causou a queda do governo ao chumbar o que seria o PEC IV e assim “obrigar” o Sócas a pedir socorro. Mas isto devo ser eu a fazer confusão com outro PSD. Além disso, este PSD que é governo nem sequer foi “aclamado” que é a parte mais gira de qualquer acto eleitoral. Não. Mesmo com a pior crise dos últimos 30 anos, o PSD só conseguiu chegar ao governo de mão dada com aquelo primo irritante, aquele puto desdentado que nos está sempre a dar caneladas, o CDS de Paulo Portas. Fraquinho. Depois veio a JSD com um número de teatro, com uma factura e coiso. Que ingénuas que são as crianças. Como se a factura de 78 mil milhões de euros fosse o valor real do que estamos realmente a pagar à ajuda externa. As jotas dos partidos parecem aqueles meninos e meninas das alianças, nos casamentos. Foleiros, com o que quer que seja que lhes vestem, e não sabem muito bem o que estão a fazer, mas fazem-no porque senão levam uma lambada. Chega ao fim do dia e já estão todos enjavardados. Assim são os jotinhas...
8. Hoje o PS apresentou a sua moção de censura. Sai um lol. Uma moção de censura a um governo de maioria absoluta é tipo aquele cartão amarelo que os árbitros mostram nos descontos ao guarda-redes da equipa que ganha desde o primeiro minuto, por fazer cera. Serve rigorosamente para nada. Uma moção de censura a um governo minoritário é o mesmo que fumar tabaco light, beber cerveja sem álcool e ir ao baile e dançar com a irmã. O que na versão PS quer dizer jantar na Casa do Alentejo em vez de no Gambrinus, beber Porta da Ravessa em vez de Pêra Manca e irem a uma festa bunga-bunga com a Maria de Belém. Isto para além do timing. Parece ter sido a maneira de Seguro responder à acusação de Passos Coelho a semana passada, de que estava à espera que o Tribunal Constitucional chumbasse o orçamento para apresentar a moção de censura. Mas com a moção apresentada hoje a resposta de Seguro é mais do género: “TC??? Nada disso! Estou mesmo é à espera que o líder do PS anterior a mim e que levou o meu partido à única maioria absoluta da nossa história apareça para me roubar o protagonismo e ninguém se lembrar sequer desta moção de censura!” Quem se está a rir sei eu quem é: Miguel Relvas, o especialista do governo em matéria de fait-divers. Só com esta pode tirar o resto da semana de férias, afinal parece que se casou porque os pilotos da TAP desconvocaram a greve e assim já pode ir de lua-de-mel. É tão bonito quando os políticos ficam reféns do proletariado, mesmo que seja do proletariado caviar.


                                               



9. E agora a cereja no topo do bolo. Pérola I – Pedro Passos Coelho, segundo o jornal Público, reconheceu perante a sua equipa governativa que pondera o cenário de se demitir, caso o Tribunal Constitucional chumbe o orçamento. Antes da análise do que poderá ser até uma bonita estratégia política aqui vai a minha laracha: “É QUE NEM PENSES Ó PEDRO!” Agora, e já dizia o arquitecto, aguenta não chora! Eu não votei nele, mas não quero que o governo caia. Ah mas isso é que não! Atão mas esta merda agora é assim? Demite-se e depois? Recandidata-se? Pra levar uma sova? E vai o Seguro? Ah, não, agora que me desculpem, mas os políticos como PPC e Sócrates deviam ser condenados pelo tribunal a VOLTAREM para o governo. Os dois, de mãos dadas como na primária, e a olhar para os lados na passadeira antes de apresentarem decretos-lei em dueto. Eu disse que depois conseguiria fazer uma análise que é a seguinte. PPC com esta “inconfidência” coloca pressão no TC para passar o orçamento. Passos Coelho deve estar a dar aleluias de Sócrates ter regressado esta semana. A única pessoa ao lado de quem fica bem na fotografia é ao lado de Sócrates. A única pessoa que poria os portugueses a votarem novamente no PSD de Passos Coelho caso este tiver que, efectivamente, ser forçado a demitir-se, é José Sócrates. Especialmente se Sócrates fosse novamente o candidato do PS mas isso seria bom demais.


                                                       



10. A segunda pérola – Alberto João Jardim, a voz sóbria que está para o PSD como o Jorge Palma está para o Jack Daniels, veio-se com esta: Governo não se demitirá porque “tem apego ao poder”. Pensamento imediato de Passos Coelho “Será que na Madeira não há net e Jardim não recebeu os memos do partido para estar caladinho?”. Alberto João Jardim, que é um dos meus ódios de estimação confessos, tem esta capacidade exultante de volta e meia me obrigar a sorrir condescendentemente e com alegria quanto consto que diz uma das suas javardeirices com a qual eu até concordo.  Se pudesse dava-lhe uma grande bacalhauzada. E depois cortava a mão pelo ombro, mas dava-lhe um “passou-bem” à estadista, daqueles intermináveis e com direito a milhentos flashs.
11. Só para acabar, no texto da moção de censura do PS, aparece a seguinte expressão: (...)Vive-se um sentimento de desesperança e até de desespero(...)”. Isto sim já é demasiado transcendente para me dignar a comentar.

E pronto. Para a próxima entrevista do Sócas vos garanto que não comentarei nada. Ou não me chame eu Dr. Eng.º José Miguel Ullrich Espírito Santo de Azevedo Coelho da Silva. 

terça-feira, março 19, 2013

Há coisas que só a nós dizem respeito - Parte II


Há momentos na vida em que nos sentimos privilegiados. Como que abençoados por estar no local certo à hora exacta, ou simplesmente por conhecermos esta ou aquela pessoa. E eu tenho a sorte de já ter tido alguns momentos desses na minha vida, inspirados e motivados por um grande número de pessoas.
O último dos quais no passado Sábado, em plena sala de cinema da capital. Desloquei-me propositadamente ao Espaço Nimas porque durante a tarde tinha visto no Facebook que iria ser exibido naquela sala a curta-metragem “Passando à de Zé Marôvas”, vencedor do concurso DOC Lisboa ’09 e realizado por uma querida amiga minha, a Aurora Ribeiro.
Embora já o tivesse visto na altura do dito concurso, na Culturgest, e acompanhado de conterrâneos e amigos forasteiros, conhecedores ou não da realidade redondense, e de ter tido uma enorme alegria e um tremendo orgulho pelo prémio atribuído à Aurora, o maior prazer que retirei daquela película foi algo de muito singular. Algo que nunca tinha experienciado, ou pelo menos, por via do cinema.
“Passando à de Zé Marôvas” é um pequeno filme sobre um dos mais icónicos senhores da minha terra, o senhor José Marôvas claro está. Dono de uma loja muito peculiar, daquelas que vende tudo ou, tal como o próprio explica, quase tudo.
Mas para mim, e julgo que para outros meus patrícios, não é o carácter documental em si, a verdadeira riqueza do filme. Mas sim a janela em que se torna para aqueles que como eu, têm a sorte de ser redondenses e conhecer aquela realidade como só os “redondêros” conseguem. Como se a Aurora em vez de uma câmara tivesse colocado um espelho entre nós e os “actores”, mas um espelho daqueles que nós conseguimos ver o que está do outro lado, e os do outro lado só conseguem ver o seu próprio reflexo. Da cena da tasca, à das senhoras que vão comprar à loja, do diálogo com um cliente aos monólogos do Sr. Marôvas, tudo naquele filme se torna uma preciosidade aos meus olhos. Como se só nós estivéssemos a entender o que se está a passar. Como alguém que consegue decifrar um código que mais ninguém consegue entender.
Não vou ser um “spoiler”, pois espero que consigam ver o filme e serem surpreendidos. Mas posso-vos adiantar que embora as gentes da minha terra sejam assim, são muito mais “assim” porque foram colocadas à frente de uma câmara, e é delicioso tentar adivinhar até que ponto e a partir de que ponto esse fenómeno acontece. Ver “Passando à de Zé Marôvas” é como se estivesse a assistir a um ensaio laboratorial do Gato de Schrodinger ou uma demonstração do Princípio de Incerteza de Heisenberg.
Depois, mais dois pormenores, um que me surpreendeu e deliciou, outro que me fez ver a importância que certas pessoas dão às coisas mais simples, e o quão agradável é sabermos que, ainda que involuntariamente, contribuímos para algo que gostamos de contemplar. Primeiro, num dos dois ou três “separadores” (não percebo nada de cinema, por isso não sei o termo técnico e chamo-lhe separador) que estão colocados entre cenas, aparece o Largo do Pelourinho, deserto, à noite, e ouvem-se os sinos da Igreja Matriz a marcar as horas. Arrepiei-me, a sério! Só me apetecia gritar, com a Culturgest à pinha: “MALTA! ISTO SÃO OS SINOS DA MINHA TERRA, TUDO A OUVIR COM ATENÇÃO!” mas lá me controlei. É daquelas coisas tão mas tão deslocadas, mas que nos é tão mas tão familiar, que nos toca um alarme algures no cérebro como que dizendo “descobre as diferenças”. Calculo que seria o mesmo que sentiria se um dia no Redondo ouvisse passar aviões constantemente por cima do nosso casario, prestes a aterrarem ali prós lados dos Foros da Fonte Seca. Finalmente porque a Aurora, num gesto da sua tão característica e simples generosidade colocou o nome deste vosso humilde amigo nos créditos finais, nos agradecimentos (e não, não me estou a gabar. Se me estivesse a gabar explicar-vos-ia o porquê, mas isso é algo que fica ao critério da realizadora e do produtor). E se é coisa pequena que nos enche o ego, é ver o nosso nome nos créditos finais dum filme do qual não só adorámos, como toda a gente que o vê connosco, gostou igualmente. Isso eu nunca lhe poderei agradecer o suficiente.
Et voilá! É por estas razões que este texto tem o título que tem. Porque há coisas que só a nós dizem respeito. Não porque sejam segredo ou algo parecido, mas apenas porque apenas nós conseguimos vê-las e senti-las da maneira que o são.

segunda-feira, março 18, 2013

Há coisas que só a nós dizem respeito - Parte I


Há coisas que só a nós dizem respeito. A nós. A mais ninguém. Muitas coisas. Diversos tipos de coisas. Eu para mim, tenho muitas dessas. Outras pessoas, nem tanto, pelos vistos. Isto não é uma crítica, apenas uma opinião.
No passado Sábado desloquei-me ao Espaço Nimas, na Avenida 5 de Outubro para ver a exibição do filme de uma querida amiga minha sobre um querido personagem da minha querida terra. É muita coisa querida.
Acabei por ver um outro que é sobre a perda de alguém querido.
O filme “Balaou”, de Gonçalo Tocha não é para todos. Para mim já ele não é, não só por não ser cinéfilo, mas porque (como tive oportunidade de no final partilhar com o próprio realizador e com os outros presentes na sala) é algo que eu nunca me atreveria a fazer.
“Balaou” fala sobre uma das mais medonhas coisas com que a nossa existência nos brinda: a perda de alguém querido e o correspondente luto.
Ainda antes de a projecção começar, o realizador dirigiu algumas palavras à plateia explicando que o filme era uma homenagem à sua falecida mãe, em jeito de carta que nunca tinha sido escrita, mas filmada e narrada. Logo nesse instante, e ao mesmo tempo que temia abominar o filme, veio-me à cabeça a palavra “coragem”. É preciso ter um par de tomates do tamanho do mundo para se falar sobre isso num filme. Projectar em personagens mais ou menos fictícios, metaforizar, encontrar associações, estabelecer paralelismos, é uma coisa. O que o Gonçalo fez foi falar com a sua própria mãe. Arrepiante.
Embora tenha observado atentamente o filme, não consigo dizer que gostei do mesmo. Mas também não consigo dizer que não gostei. Só sei que fiquei com uma grande admiração pelo realizador que segundo nos contou, investiu grande parte do que herdou após a morte da mãe para realizar este projecto.
A grande admiração com que fiquei pelo Gonçalo prende-se sobretudo por passados quase 11 anos da perda do meu pai, não passar um único dia sem que me surja uma pergunta que gostaria de lhe fazer. E não se trata daquelas lamechices do que se devia ter falado e não se falou enquanto houve tempo, nada disso. Trata-se de que hoje vivo permanentemente na dúvida: “O que teria o D. Vicente a dizer sobre assunto tal, sobre fulano e beltrano?”. Ora eu nunca conseguindo ter respostas a estas perguntas, o mais que consigo fazer é imaginar-me a perguntar-lhas. Mais nada. E nunca cometeria a heresia e a presunção (como outros o fazem) de dizer com ar saudoso: “Ahhhh...se o meu pai fosse vivo diria isto e faria o outro acerca de tal...” Nada disso. OK, vá, só acerca que pouquíssimas coisas que, mais que da sua rotina, fariam parte da sua personalidade. Quanto a certas atitudes, zero. E já agora agradeço que um dia quando me finar tenham o respeito de não fazer o mesmo exercício, a não ser em relação aos meus lendários gostos gastronómicos, musicais, taurinos e clubísticos. Aí, quem me conhece minimamente consegue saber exactamente o que penso.
Ora no “Balaou” o realizador e narrador põe-se completamente a nu, a descoberto. Não tem qualquer pudor em fazer-nos escutar uma conversa íntima com a sua mãe. Ainda que considere isso um tanto ou quanto invasivo (porque, mais uma vez, nunca o conseguiria fazer), não posso deixar de pensar que tem que se ter uma grande necessidade de o fazer, para o fazer.
Quanto a mim, escrevo. Bem, mal, mais ou menos claro, mais ou menos directo, simplesmente escrevo. Não filmo, não canto, não danço, não pinto, não rimo. Escrevo. Nem tudo o que escrevo é para toda a gente ler, é claro. Mas tudo o que gostaria que lessem, escrevo.
Há coisas que só a nós nos dizem respeito...