segunda-feira, março 18, 2013

Há coisas que só a nós dizem respeito - Parte I


Há coisas que só a nós dizem respeito. A nós. A mais ninguém. Muitas coisas. Diversos tipos de coisas. Eu para mim, tenho muitas dessas. Outras pessoas, nem tanto, pelos vistos. Isto não é uma crítica, apenas uma opinião.
No passado Sábado desloquei-me ao Espaço Nimas, na Avenida 5 de Outubro para ver a exibição do filme de uma querida amiga minha sobre um querido personagem da minha querida terra. É muita coisa querida.
Acabei por ver um outro que é sobre a perda de alguém querido.
O filme “Balaou”, de Gonçalo Tocha não é para todos. Para mim já ele não é, não só por não ser cinéfilo, mas porque (como tive oportunidade de no final partilhar com o próprio realizador e com os outros presentes na sala) é algo que eu nunca me atreveria a fazer.
“Balaou” fala sobre uma das mais medonhas coisas com que a nossa existência nos brinda: a perda de alguém querido e o correspondente luto.
Ainda antes de a projecção começar, o realizador dirigiu algumas palavras à plateia explicando que o filme era uma homenagem à sua falecida mãe, em jeito de carta que nunca tinha sido escrita, mas filmada e narrada. Logo nesse instante, e ao mesmo tempo que temia abominar o filme, veio-me à cabeça a palavra “coragem”. É preciso ter um par de tomates do tamanho do mundo para se falar sobre isso num filme. Projectar em personagens mais ou menos fictícios, metaforizar, encontrar associações, estabelecer paralelismos, é uma coisa. O que o Gonçalo fez foi falar com a sua própria mãe. Arrepiante.
Embora tenha observado atentamente o filme, não consigo dizer que gostei do mesmo. Mas também não consigo dizer que não gostei. Só sei que fiquei com uma grande admiração pelo realizador que segundo nos contou, investiu grande parte do que herdou após a morte da mãe para realizar este projecto.
A grande admiração com que fiquei pelo Gonçalo prende-se sobretudo por passados quase 11 anos da perda do meu pai, não passar um único dia sem que me surja uma pergunta que gostaria de lhe fazer. E não se trata daquelas lamechices do que se devia ter falado e não se falou enquanto houve tempo, nada disso. Trata-se de que hoje vivo permanentemente na dúvida: “O que teria o D. Vicente a dizer sobre assunto tal, sobre fulano e beltrano?”. Ora eu nunca conseguindo ter respostas a estas perguntas, o mais que consigo fazer é imaginar-me a perguntar-lhas. Mais nada. E nunca cometeria a heresia e a presunção (como outros o fazem) de dizer com ar saudoso: “Ahhhh...se o meu pai fosse vivo diria isto e faria o outro acerca de tal...” Nada disso. OK, vá, só acerca que pouquíssimas coisas que, mais que da sua rotina, fariam parte da sua personalidade. Quanto a certas atitudes, zero. E já agora agradeço que um dia quando me finar tenham o respeito de não fazer o mesmo exercício, a não ser em relação aos meus lendários gostos gastronómicos, musicais, taurinos e clubísticos. Aí, quem me conhece minimamente consegue saber exactamente o que penso.
Ora no “Balaou” o realizador e narrador põe-se completamente a nu, a descoberto. Não tem qualquer pudor em fazer-nos escutar uma conversa íntima com a sua mãe. Ainda que considere isso um tanto ou quanto invasivo (porque, mais uma vez, nunca o conseguiria fazer), não posso deixar de pensar que tem que se ter uma grande necessidade de o fazer, para o fazer.
Quanto a mim, escrevo. Bem, mal, mais ou menos claro, mais ou menos directo, simplesmente escrevo. Não filmo, não canto, não danço, não pinto, não rimo. Escrevo. Nem tudo o que escrevo é para toda a gente ler, é claro. Mas tudo o que gostaria que lessem, escrevo.
Há coisas que só a nós nos dizem respeito...

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