Há
momentos na vida em que nos sentimos privilegiados. Como que abençoados por
estar no local certo à hora exacta, ou simplesmente por conhecermos esta ou
aquela pessoa. E eu tenho a sorte de já ter tido alguns momentos desses na
minha vida, inspirados e motivados por um grande número de pessoas.
O
último dos quais no passado Sábado, em plena sala de cinema da capital.
Desloquei-me propositadamente ao Espaço Nimas porque durante a tarde tinha
visto no Facebook que iria ser exibido naquela sala a curta-metragem “Passando
à de Zé Marôvas”, vencedor do concurso DOC Lisboa ’09 e realizado por uma
querida amiga minha, a Aurora Ribeiro.
Embora
já o tivesse visto na altura do dito concurso, na Culturgest, e acompanhado de
conterrâneos e amigos forasteiros, conhecedores ou não da realidade redondense,
e de ter tido uma enorme alegria e um tremendo orgulho pelo prémio atribuído à
Aurora, o maior prazer que retirei daquela película foi algo de muito singular.
Algo que nunca tinha experienciado, ou pelo menos, por via do cinema.
“Passando
à de Zé Marôvas” é um pequeno filme sobre um dos mais icónicos senhores da
minha terra, o senhor José Marôvas claro está. Dono de uma loja muito peculiar,
daquelas que vende tudo ou, tal como o próprio explica, quase tudo.
Mas
para mim, e julgo que para outros meus patrícios, não é o carácter documental
em si, a verdadeira riqueza do filme. Mas sim a janela em que se torna para
aqueles que como eu, têm a sorte de ser redondenses e conhecer aquela realidade
como só os “redondêros” conseguem. Como se a Aurora em vez de uma câmara
tivesse colocado um espelho entre nós e os “actores”, mas um espelho daqueles
que nós conseguimos ver o que está do outro lado, e os do outro lado só
conseguem ver o seu próprio reflexo. Da cena da tasca, à das senhoras que vão
comprar à loja, do diálogo com um cliente aos monólogos do Sr. Marôvas, tudo
naquele filme se torna uma preciosidade aos meus olhos. Como se só nós
estivéssemos a entender o que se está a passar. Como alguém que consegue
decifrar um código que mais ninguém consegue entender.
Não
vou ser um “spoiler”, pois espero que consigam ver o filme e serem surpreendidos.
Mas posso-vos adiantar que embora as gentes da minha terra sejam assim, são
muito mais “assim” porque foram colocadas à frente de uma câmara, e é delicioso
tentar adivinhar até que ponto e a partir de que ponto esse fenómeno acontece.
Ver “Passando à de Zé Marôvas” é como se estivesse a assistir a um ensaio
laboratorial do Gato de Schrodinger ou uma demonstração do Princípio de
Incerteza de Heisenberg.
Depois,
mais dois pormenores, um que me surpreendeu e deliciou, outro que me fez ver a
importância que certas pessoas dão às coisas mais simples, e o quão agradável é
sabermos que, ainda que involuntariamente, contribuímos para algo que gostamos
de contemplar. Primeiro, num dos dois ou três “separadores” (não percebo nada
de cinema, por isso não sei o termo técnico e chamo-lhe separador) que estão
colocados entre cenas, aparece o Largo do Pelourinho, deserto, à noite, e
ouvem-se os sinos da Igreja Matriz a marcar as horas. Arrepiei-me, a sério! Só
me apetecia gritar, com a Culturgest à pinha: “MALTA! ISTO SÃO OS SINOS DA
MINHA TERRA, TUDO A OUVIR COM ATENÇÃO!” mas lá me controlei. É daquelas coisas
tão mas tão deslocadas, mas que nos é tão mas tão familiar, que nos toca um
alarme algures no cérebro como que dizendo “descobre as diferenças”. Calculo
que seria o mesmo que sentiria se um dia no Redondo ouvisse passar aviões
constantemente por cima do nosso casario, prestes a aterrarem ali prós lados
dos Foros da Fonte Seca. Finalmente porque a Aurora, num gesto da sua tão
característica e simples generosidade colocou o nome deste vosso humilde amigo
nos créditos finais, nos agradecimentos (e não, não me estou a gabar. Se me
estivesse a gabar explicar-vos-ia o porquê, mas isso é algo que fica ao
critério da realizadora e do produtor). E se é coisa pequena que nos enche o
ego, é ver o nosso nome nos créditos finais dum filme do qual não só adorámos,
como toda a gente que o vê connosco, gostou igualmente. Isso eu nunca lhe
poderei agradecer o suficiente.
Et
voilá! É por estas razões que este texto tem o título que tem. Porque há coisas
que só a nós dizem respeito. Não porque sejam segredo ou algo parecido, mas
apenas porque apenas nós conseguimos vê-las e senti-las da maneira que o são.
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