terça-feira, março 19, 2013

Há coisas que só a nós dizem respeito - Parte II


Há momentos na vida em que nos sentimos privilegiados. Como que abençoados por estar no local certo à hora exacta, ou simplesmente por conhecermos esta ou aquela pessoa. E eu tenho a sorte de já ter tido alguns momentos desses na minha vida, inspirados e motivados por um grande número de pessoas.
O último dos quais no passado Sábado, em plena sala de cinema da capital. Desloquei-me propositadamente ao Espaço Nimas porque durante a tarde tinha visto no Facebook que iria ser exibido naquela sala a curta-metragem “Passando à de Zé Marôvas”, vencedor do concurso DOC Lisboa ’09 e realizado por uma querida amiga minha, a Aurora Ribeiro.
Embora já o tivesse visto na altura do dito concurso, na Culturgest, e acompanhado de conterrâneos e amigos forasteiros, conhecedores ou não da realidade redondense, e de ter tido uma enorme alegria e um tremendo orgulho pelo prémio atribuído à Aurora, o maior prazer que retirei daquela película foi algo de muito singular. Algo que nunca tinha experienciado, ou pelo menos, por via do cinema.
“Passando à de Zé Marôvas” é um pequeno filme sobre um dos mais icónicos senhores da minha terra, o senhor José Marôvas claro está. Dono de uma loja muito peculiar, daquelas que vende tudo ou, tal como o próprio explica, quase tudo.
Mas para mim, e julgo que para outros meus patrícios, não é o carácter documental em si, a verdadeira riqueza do filme. Mas sim a janela em que se torna para aqueles que como eu, têm a sorte de ser redondenses e conhecer aquela realidade como só os “redondêros” conseguem. Como se a Aurora em vez de uma câmara tivesse colocado um espelho entre nós e os “actores”, mas um espelho daqueles que nós conseguimos ver o que está do outro lado, e os do outro lado só conseguem ver o seu próprio reflexo. Da cena da tasca, à das senhoras que vão comprar à loja, do diálogo com um cliente aos monólogos do Sr. Marôvas, tudo naquele filme se torna uma preciosidade aos meus olhos. Como se só nós estivéssemos a entender o que se está a passar. Como alguém que consegue decifrar um código que mais ninguém consegue entender.
Não vou ser um “spoiler”, pois espero que consigam ver o filme e serem surpreendidos. Mas posso-vos adiantar que embora as gentes da minha terra sejam assim, são muito mais “assim” porque foram colocadas à frente de uma câmara, e é delicioso tentar adivinhar até que ponto e a partir de que ponto esse fenómeno acontece. Ver “Passando à de Zé Marôvas” é como se estivesse a assistir a um ensaio laboratorial do Gato de Schrodinger ou uma demonstração do Princípio de Incerteza de Heisenberg.
Depois, mais dois pormenores, um que me surpreendeu e deliciou, outro que me fez ver a importância que certas pessoas dão às coisas mais simples, e o quão agradável é sabermos que, ainda que involuntariamente, contribuímos para algo que gostamos de contemplar. Primeiro, num dos dois ou três “separadores” (não percebo nada de cinema, por isso não sei o termo técnico e chamo-lhe separador) que estão colocados entre cenas, aparece o Largo do Pelourinho, deserto, à noite, e ouvem-se os sinos da Igreja Matriz a marcar as horas. Arrepiei-me, a sério! Só me apetecia gritar, com a Culturgest à pinha: “MALTA! ISTO SÃO OS SINOS DA MINHA TERRA, TUDO A OUVIR COM ATENÇÃO!” mas lá me controlei. É daquelas coisas tão mas tão deslocadas, mas que nos é tão mas tão familiar, que nos toca um alarme algures no cérebro como que dizendo “descobre as diferenças”. Calculo que seria o mesmo que sentiria se um dia no Redondo ouvisse passar aviões constantemente por cima do nosso casario, prestes a aterrarem ali prós lados dos Foros da Fonte Seca. Finalmente porque a Aurora, num gesto da sua tão característica e simples generosidade colocou o nome deste vosso humilde amigo nos créditos finais, nos agradecimentos (e não, não me estou a gabar. Se me estivesse a gabar explicar-vos-ia o porquê, mas isso é algo que fica ao critério da realizadora e do produtor). E se é coisa pequena que nos enche o ego, é ver o nosso nome nos créditos finais dum filme do qual não só adorámos, como toda a gente que o vê connosco, gostou igualmente. Isso eu nunca lhe poderei agradecer o suficiente.
Et voilá! É por estas razões que este texto tem o título que tem. Porque há coisas que só a nós dizem respeito. Não porque sejam segredo ou algo parecido, mas apenas porque apenas nós conseguimos vê-las e senti-las da maneira que o são.

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