segunda-feira, outubro 05, 2015

Legislativas 2015 ou Como-Andamos-A-Brincar-À-Democracia-Sem-Nos-Darmos-Ao-Trabalho-De-Saber-O-Que-É-E-Como-Funciona

Vamos lá falar dos resultados eleitorais, então.
Primeiro a aritmética:


·      A coligação teve mais votos (1 979 132), logo, em absoluto, ganhou. La Palice não o conseguia colocar mais claro. Teve portanto menos 830 000 votos que ambos PSD e CDS há quatro anos. Passam de 132 para 102 deputados, ou seja, perdem 30.
·      O PS subiu, de 1 566 347 para 1 740 300, mas foi o grande derrotado da noite. No entanto, passa de 74 para 86 deputados, ganha 12.
·      A CDU manteve o mesmo número de votos (menos uns desprezáveis 3000) mas ganha 1 deputado, de 16 para 17, e mesmo assim também é considerado uma das derrotas da noite, porque passa de terceira força política, para quarta.
·      O Bloco de Esquerda foi a maior surpresa da noite, ao passar de 288 923 votos para 549 153, praticamente duplicando os eleitores e subindo de 8 para 19 deputados, ganhando 11, portanto.
·      O PAN conquista um deputado. Ou um Labrador, ainda não se sabe.



Agora analisemos as reacções perante os números:


·      A coligação festeja como se de uma estrondosa vitória se tratasse. A expectativa num resultado bom era tão baixa, que uma qualquer vitória por mais que meio voto já seria motivo de regozijo. A única explicação que encontro para isto é que o governo melhor que ninguém, e os partidos que o apoiam, sabem exactamente que tipo de trabalho fizeram e que impacto o mesmo causou na opinião pública e no seu próprio eleitorado de há quatro anos. Faz lembrar quando um clube na UEFA ganha 1-0 fora ao Real Madrid depois de ter levado 10-0 na primeira mão em casa. Fomos eliminados mas ao menos marcámos um golinho. Mas aparentemente, esta coligação sabe melhor que ninguém que não deveria estar a governar, daí os festejos. Foi de facto uma façanha, depois destes 4 anos, conseguirem manter-se os mais votados.
·      O PS conquista mais alguns deputados, mas não os suficientes para sequer chegar perto da coligação. Uma tempestade perfeita para a coligação deitou por terra as pretensões de Costa, senão vejamos: uma soberba desmesurada tão característica do PS era-Sócrates, uma confiança excessiva no desagrado popular perante a governação, uma campanha desastrosa desde o primeiro dia sem nunca conseguirem passar a mensagem, o mediático caso da investigação de Sócrates que culminou nos seus vários meses preso, logo após a eleição de Costa, e na sua libertação imediatamente antes das eleições, passados 11 meses, sem nunca o seu fantasma ter parado de pairar sobre a candidatura de Costa a primeiro-ministro.
·      O BE praticamente duplica a sua votação, roubando votos à direita e ao PS. Catarina Martins aparentemente enterrou de vez  o fantasma da cisão no seu partido, com o bónus de nenhum dos dissidentes ter tido uma votação expressiva. Nem o Livre nem o MAS conseguiram sequer colocar-se em bicos dos pés, juntos alcançaram 1,10%. É talvez a única com razões para festejar.
·      A CDU embora conquiste um deputado, elege em menos distritos que o Bloco e ainda vê distritos onde outrora dominou, como Évora, passar para terceiro, atrás da coligação e PS. Em Aveiro, Coimbra e Leiria, por exemplo, não elege nenhum deputado, ao contrário do Bloco, que elege em todos.



Agora especulemos sobre o futuro:

O governo é formado por convite do Presidente da República. Este tem a responsabilidade de ouvir todas as forças eleitas e decidir por quem dê mais garantias de estabilidade governativa, leia-se mais apoio parlamentar. Há quatro anos o PSD foi o partido mais votado mas sozinho não poderia governar, daí ter “convidado” o CDS para incorporar um governo de coligação. Porém, dois anos antes, o mesmo Presidente tinha empossado um governo de apoio parlamentar minoritário, e sem qualquer tipo de acordo com outros partidos, nem parlamentar, nem governativo. Dois anos depois, e sem apoio parlamentar, esse mesmo governo caiu e provocou as eleições de 2011.
Portanto o que fará Cavaco? De relembrar que a Assembleia não pode ser demitida no seu último ano de mandato, nem o Presidente da República o pode fazer nos seus últimos 6 meses de mandato. Portanto qualquer governo que sair deste sufrágio, minoritário ou não, terá de se aguentar no mínimo até Junho de 2016. Escassos 8 longos meses se tivermos em conta que há um Orçamento de Estado para votar num hipotético cenário de minoria governativa.
Cavaco disse à beira das urnas que já teria estudado todos os cenários, uma atitude habitual de quem “jamais se engana e raramente tem dúvidas”, o que deixa antever que empossará a coligação, mesmo em minoria, e caso não haja entendimentos parlamentares ou governativos, novas eleições legislativas poderão surgir já em 2016.

Por fim, perguntas que gostaria de ver respondidas:

            Ao Paulo Portas: Qual foi o partido (não a candidatura) mais votado? Ou o CDS vale uns fortíssimos >4% e foi o PS, ou o CDS é tão irrisório que foi o PSD sozinho a ter aquele resultado fantástico da coligação.
            Outra para o Paulo Portas: Há 10 anos demitiu-se do seu cargo no seu partido por, segundo ele,  em nenhum país civilizado do mundo a diferença entre os trotskistas e democratas-cristãos é de um por cento”. Essa premissa é para continuar? É que ou o PSD vale uns míseros 27% ou o CDS não chega a metade do Bloco, e aí a diferença não é nem de 1%, nem para cima, mas para baixo.
            Ao António Costa: A sério que contaram de tal maneira com o ovo no cu da galinha que acharam que estava no papo sem bulirem uma palha? A sério que nunca faltaste quando foi preciso? Foi preciso seres empurrado 3 vezes e só aí conseguires avançar para uma triste figura de assaltar o poder a um líder acabado de vencer umas eleições? A sério que esperavas que isso sairia impune aos olhos do teu próprio eleitorado? E como foi possível uma campanha com erros amadores em pleno século XXI. A condescendência da superioridade intelectual e moral com que trataram inclusivamente o próprio eleitorado custou-vos a eleição. Não foi por acaso e enquanto não reflectirem nisso, a direita continuará a agradecer-vos.
            À CDU e ao Bloco só tenho a seguinte dica para dar: enquanto continuarem a luta fratricida com base no puro orgulho estúpido à volta do “Eu sou mais de esquerda do que tu!” não vão passar dos 10%. Enquanto não explicarem ao vosso eleitorado e não só, que estão prontos a discutir com o PS possíveis consensos para governar, nunca serão governo. Enquanto alardearem que o vosso inimigo é a esquerda e ao mesmo tempo sabotarem os únicos que os poderão derrotar e roubar o poder, nunca serão governo. Serão só um bando de gaiatos birrentos que toda a gente se farta de ouvir e a quem não liga nenhuma.  Porque é que o Jerónimo só veio dizer que estava pronto a “assumir responsabilidades governativas” a duas semanas das eleições? Porque é que o Bloco malha tanto ou mais no PS do que no governo?? Será que a esquerda não percebe que um PS fraco torna a direita e não a esquerda mais forte? Não conseguirão colocar o romantismo de parte e ser um pouco mais pragmáticos? Sim, como a direita o é, na altura de ditar a táctica!!

            Para concluir, e independentemente do resultado, porque não foi isso que me motivou esta análise, continuo triste pela falta de cultura democrática do povo português. Ou são incapazes de aceitar o resultado do sufrágio popular, com tiques do antigamente, ou votam inconscientemente. O resultado do PAN é resultado do típico voto de protesto, felizmente não o é de pessoas conscientes e de que leram aquele programa eleitoral. Eu sou completamente a favor do voto nos partidos pequenos como forma de protesto, eu próprio teria votado num se tivesse hipótese de eleger um deputado que não saísse de apenas 3 forças políticas no meu distrito, mas votar no PAN só porque são inofensivos é bem mais perigoso que qualquer governo da coligação. O número da abstenção é alarmante, e acabou por ser a única coisa em que as sondagens se enganaram. Enquanto assim for não teremos razão para nos queixarmos seja do que for e, na minha opinião há bastante trabalho a ser feito nesse aspecto, e não só a nível da AR mas a nível de movimentos cívicos e responsabilidade de exercer uma cidadania plena, sob pena de continuar a deixar que os outros decidam por nós. É que no tempo do Senhor Presidente do Conselho já era assim...
            Nas próximas eleições o meu círculo eleitoral já vai ser o “Fora da Europa”.


NOTA: Podem consultar os dados disponíveis no site da CNE.