Vamos
lá falar dos resultados eleitorais, então.
Primeiro
a aritmética:
·
A coligação teve mais votos (1 979 132), logo,
em absoluto, ganhou. La Palice não o conseguia colocar mais claro. Teve
portanto menos 830 000 votos que ambos PSD e CDS há quatro anos. Passam de 132
para 102 deputados, ou seja, perdem 30.
·
O PS subiu, de 1 566 347 para 1 740 300, mas foi
o grande derrotado da noite. No entanto, passa de 74 para 86 deputados, ganha
12.
·
A CDU manteve o mesmo número de votos (menos uns
desprezáveis 3000) mas ganha 1 deputado, de 16 para 17, e mesmo assim também é
considerado uma das derrotas da noite, porque passa de terceira força política,
para quarta.
·
O Bloco de Esquerda foi a maior surpresa da
noite, ao passar de 288 923 votos para 549 153, praticamente duplicando os
eleitores e subindo de 8 para 19 deputados, ganhando 11, portanto.
·
O PAN conquista um deputado. Ou um Labrador,
ainda não se sabe.
Agora
analisemos as reacções perante os números:
·
A coligação festeja como se de uma estrondosa
vitória se tratasse. A expectativa num resultado bom era tão baixa, que uma
qualquer vitória por mais que meio voto já seria motivo de regozijo. A única
explicação que encontro para isto é que o governo melhor que ninguém, e os
partidos que o apoiam, sabem exactamente que tipo de trabalho fizeram e que
impacto o mesmo causou na opinião pública e no seu próprio eleitorado de há
quatro anos. Faz lembrar quando um clube na UEFA ganha 1-0 fora ao Real Madrid
depois de ter levado 10-0 na primeira mão em casa. Fomos eliminados mas ao
menos marcámos um golinho. Mas aparentemente, esta coligação sabe melhor que
ninguém que não deveria estar a governar, daí os festejos. Foi de facto uma
façanha, depois destes 4 anos, conseguirem manter-se os mais votados.
·
O PS conquista mais alguns deputados, mas não os
suficientes para sequer chegar perto da coligação. Uma tempestade perfeita para
a coligação deitou por terra as pretensões de Costa, senão vejamos: uma soberba
desmesurada tão característica do PS era-Sócrates, uma confiança excessiva no
desagrado popular perante a governação, uma campanha desastrosa desde o
primeiro dia sem nunca conseguirem passar a mensagem, o mediático caso da
investigação de Sócrates que culminou nos seus vários meses preso, logo após a
eleição de Costa, e na sua libertação imediatamente antes das eleições,
passados 11 meses, sem nunca o seu fantasma ter parado de pairar sobre a
candidatura de Costa a primeiro-ministro.
·
O BE praticamente duplica a sua votação,
roubando votos à direita e ao PS. Catarina Martins aparentemente enterrou de
vez o fantasma da cisão no seu partido,
com o bónus de nenhum dos dissidentes ter tido uma votação expressiva. Nem o
Livre nem o MAS conseguiram sequer colocar-se em bicos dos pés, juntos
alcançaram 1,10%. É talvez a única com razões para festejar.
·
A CDU embora conquiste um deputado, elege em
menos distritos que o Bloco e ainda vê distritos onde outrora dominou, como
Évora, passar para terceiro, atrás da coligação e PS. Em Aveiro, Coimbra e
Leiria, por exemplo, não elege nenhum deputado, ao contrário do Bloco, que
elege em todos.
Agora
especulemos sobre o futuro:
O governo é formado por convite do Presidente da República.
Este tem a responsabilidade de ouvir todas as forças eleitas e decidir por quem
dê mais garantias de estabilidade governativa, leia-se mais apoio parlamentar.
Há quatro anos o PSD foi o partido mais votado mas sozinho não poderia
governar, daí ter “convidado” o CDS para incorporar um governo de coligação. Porém,
dois anos antes, o mesmo Presidente tinha empossado um governo de apoio
parlamentar minoritário, e sem qualquer tipo de acordo com outros partidos, nem
parlamentar, nem governativo. Dois anos depois, e sem apoio parlamentar, esse
mesmo governo caiu e provocou as eleições de 2011.
Portanto o que fará Cavaco? De relembrar que a Assembleia
não pode ser demitida no seu último ano de mandato, nem o Presidente da
República o pode fazer nos seus últimos 6 meses de mandato. Portanto qualquer
governo que sair deste sufrágio, minoritário ou não, terá de se aguentar no
mínimo até Junho de 2016. Escassos 8 longos meses se tivermos em conta que há
um Orçamento de Estado para votar num hipotético cenário de minoria
governativa.
Cavaco disse à beira das urnas que já teria estudado todos
os cenários, uma atitude habitual de quem “jamais se engana e raramente tem
dúvidas”, o que deixa antever que empossará a coligação, mesmo em minoria, e
caso não haja entendimentos parlamentares ou governativos, novas eleições
legislativas poderão surgir já em 2016.
Por
fim, perguntas que gostaria de ver respondidas:
Ao Paulo Portas: Qual foi o partido
(não a candidatura) mais votado? Ou o CDS vale uns fortíssimos >4% e foi o
PS, ou o CDS é tão irrisório que foi o PSD sozinho a ter aquele resultado
fantástico da coligação.
Outra para o Paulo Portas: Há 10
anos demitiu-se do seu cargo no seu partido por, segundo ele, em nenhum país civilizado do mundo a diferença entre os
trotskistas e democratas-cristãos é de um por cento”. Essa premissa é para
continuar? É que ou o PSD vale uns míseros 27% ou o CDS não chega a metade do
Bloco, e aí a diferença não é nem de 1%, nem para cima, mas para baixo.
Ao António Costa: A sério que contaram de tal maneira com
o ovo no cu da galinha que acharam que estava no papo sem bulirem uma palha? A
sério que nunca faltaste quando foi preciso? Foi preciso seres empurrado 3
vezes e só aí conseguires avançar para uma triste figura de assaltar o poder a
um líder acabado de vencer umas eleições? A sério que esperavas que isso sairia
impune aos olhos do teu próprio eleitorado? E como foi possível uma campanha
com erros amadores em pleno século XXI. A condescendência da superioridade
intelectual e moral com que trataram inclusivamente o próprio eleitorado
custou-vos a eleição. Não foi por acaso e enquanto não reflectirem nisso, a
direita continuará a agradecer-vos.
À CDU e ao Bloco só tenho a seguinte dica para dar:
enquanto continuarem a luta fratricida com base no puro orgulho estúpido à
volta do “Eu sou mais de esquerda do que tu!” não vão passar dos 10%. Enquanto
não explicarem ao vosso eleitorado e não só, que estão prontos a discutir com o
PS possíveis consensos para governar, nunca serão governo. Enquanto alardearem
que o vosso inimigo é a esquerda e ao mesmo tempo sabotarem os únicos que os
poderão derrotar e roubar o poder, nunca serão governo. Serão só um bando de
gaiatos birrentos que toda a gente se farta de ouvir e a quem não liga
nenhuma. Porque é que o Jerónimo só veio
dizer que estava pronto a “assumir responsabilidades governativas” a duas
semanas das eleições? Porque é que o Bloco malha tanto ou mais no PS do que no
governo?? Será que a esquerda não percebe que um PS fraco torna a direita e não
a esquerda mais forte? Não conseguirão colocar o romantismo de parte e ser um
pouco mais pragmáticos? Sim, como a direita o é, na altura de ditar a táctica!!
Para concluir, e independentemente do resultado, porque
não foi isso que me motivou esta análise, continuo triste pela falta de cultura
democrática do povo português. Ou são incapazes de aceitar o resultado do
sufrágio popular, com tiques do antigamente, ou votam inconscientemente. O
resultado do PAN é resultado do típico voto de protesto, felizmente não o é de
pessoas conscientes e de que leram aquele programa eleitoral. Eu sou
completamente a favor do voto nos partidos pequenos como forma de protesto, eu
próprio teria votado num se tivesse hipótese de eleger um deputado que não
saísse de apenas 3 forças políticas no meu distrito, mas votar no PAN só porque
são inofensivos é bem mais perigoso que qualquer governo da coligação. O número
da abstenção é alarmante, e acabou por ser a única coisa em que as sondagens se
enganaram. Enquanto assim for não teremos razão para nos queixarmos seja do que
for e, na minha opinião há bastante trabalho a ser feito nesse aspecto, e não
só a nível da AR mas a nível de movimentos cívicos e responsabilidade de
exercer uma cidadania plena, sob pena de continuar a deixar que os outros
decidam por nós. É que no tempo do Senhor Presidente do Conselho já era
assim...
Nas próximas eleições o meu círculo eleitoral já vai ser
o “Fora da Europa”.
NOTA: Podem consultar os dados disponíveis no site da CNE.