segunda-feira, junho 04, 2012

Saudades

Coisa horrorosa, as saudades.
Tenho saudades da minha casinha. A MINHA mesmo. Aquela que está no papel que é minha.
Tenho saudades de viver sozinho na minha casa. De chegar a casa malcheiroso, do trabalho, do ginásio ou do treino, jogar a roupa para o puff e estender-me no sofá, o tal que tem uma cobra.
Tenho saudades de me sentar ao PC, a este PC, novinho em folha, e falar com os meus amigos.
Tenho saudades de jantar tarde, ou fingir que janto, e ficar no sofá a ver o House, o Las Vegas ou a West Wing de enfiada, aos 4 e 5 episódios de cada vez, até adormecer.
Tenho saudades de adormecer no sofá, acordar à uma da manhã e ir-me deitar na cama, porque no dia a seguir acordo cedo para ir trabalhar.
Tenho saudades de ser assediado no trabalho e me rir. 
Tenho saudades de ser discriminado no trabalho e me rir.
Tenho saudades do pessoal do trabalho, de fumarmos cigarros nas traseiras enquanto falávamos mal das chefes.
Tenho saudades de marcar férias de Inverno, andar 48h em viagem só para poupar dinheiro.
Tenho saudades de sair do trabalho, tomar banho e ficar na Guia, numa conversa intelectualóide na Fnac ou num engate manhoso no Farol.
Tenho saudades da praia. Da minha praia. Aquela que não está no papel que é minha mas cuja chave sou eu que tenho e só lá entra quem gosta tanto dela como eu.
Tenho saudades dos amigos da praia, aqueles que não reconhecemos na rua a menos que estejam em tronco nu ou em bikini.
Tenho saudades de sair à noite sozinho, dar uma volta e voltar pra casa, com a cabeça vazia e a alma cheia não sei bem de quê.
Tenho saudades da cidade que me acolheu, a minha segunda terra. 
Tenho saudades do cheiro a lodo que vem do rio, a sardinha assada e a protector solar que as bifas usam.
Tenho saudades de treinar karate quatro vezes por semana. Saudades do sotaque castiço do Sensei e da cumplicidade que criei com os putos.
Tenho saudades de ir ver o Sporting ao antro dos lampiões que me tratavam com respeito.
Tenho saudades de ser o benjamim do grupo.
Tenho saudades dos conhecidos que se tornaram amigos. Saudades dos amigos que apareceram do nada. Saudades das amigas. E das amantes.
Tenho saudades de ir correr na marginal, no calçadão e de andar de bike e me estampar numa banda da marina.
Tenho saudades de viver num hotel. No meu hotel. Saudades de entrar por aquela porta, dar dois dedos de conversa na recepção e subir.
Tenho saudades de ir ao mini-mercado e ter lá o pão guardado pra mim, porque sou habituée.
Tenho saudades de comprar Dunhill em vários sítios diferentes, porque havia.
Tenho saudades de receber amigos em casa e me perguntarem: "ehpá, posso arroxar aqui?".
Tenho saudades de receber pessoal do couch surfing e andar a fazer de cicerone.
Tenho saudades de convidar os meus amigos para o bowling...e os humilhar!
Tenho saudades de sair atrasado para ir trabalhar, fazer 25Km em 9' e não chegar atrasado. 
Tenho saudades de sair do trabalho e demorar 2h30m a fazer os mesmos 25Km.
Tenho saudades de no Inverno pensar "já apareciam, os turistas!" e no Verão: "já iam morrer longe, estes turistas!"
Tenho saudades de ir às caipirinhas e beber...cerveja preta.
Tenho saudades de ir jantar à da minha tia, comer que nem um abade e ficar com "a fama de lá ter ido jantar"
Tenho saudades de ir comprar o jornal à minha madrinha e ver o sorriso dela.
Tenho saudades de ler um bom livro na praia.
Tenho saudades de ir caçar sem licença, na praia, e não apanhar nada.
Tenho saudades de ter uma empregada que nunca via mas que me deixava a casa num brinco.
Tenho saudades de meter gasóleo barato no carro.
Tenho saudades de ir comer junk food às 4 da manhã.
Tenho saudades de ir ao bar com os meus amigos, e coleccionarmos garrafas de whisky como quem colecciona cromos.
Tenho saudades de coleccionar tampas das miúdas como quem coleccionava garrafas de whisky.
Tenho saudades de nos levantarmos da cadeira e acharmos que a areia da praia eram areias movediças.
Tenho saudades de dar uma lição de matrecos, com os copos, aos lisboetas que se armavam ao pingarelho.
Tenho saudade de beber à pála com adivinhas, charadas e truques com moedas e copos.
Tenho saudades de fecharmos o bar e andarmos de jipe na praia, na caixa duma pick-up com os cães.
Tenho saudades do Rottweiller e dos Boxers mais dóceis e bem treinados que vi.
Tenho saudades de dizer à minha mãe: "vou sair pra beber café" e chegar a casa às 8 da manhã e ouvir uma descompostura.
Tenho saudades de chegar a casa fora de horas, ter que tocar à campainha e dizer ao recepcionista da noite: "Ishh, escurpe lá oh Pacheco mazistoje foi assim um b'cado agrexte..."
Tenho saudades de folgar à semana, e fazer rigorosamente nada, mas com grande dedicação.
Tenho saudades de ir ao casino, jogar póker nas máquinas e fartar-me de rir com a malta a perder dinheiro enquanto nós chamávamos o croupier para tirar 40 cêntimos da máquina. 
Tenho saudades de ir à discoteca mais pirosa que jamais o mundo conheceu... de muletas!
Tenho saudedes de dizer aos meus amigos: "ehpá, amanhã trabalho cedo" mas ainda assim ir ter com eles, embubadar-me, dormir no carro e chegar atrasado ao trabalho, mas sem ninguém se aperceber.
Tenho saudades de irmos aos bares, encontrarmos velhos amigos, fazermos novos e ainda comentarmos os atributos das barmaids.
Tenho saudades de ter saudades de Faro quando voltava para uma ocasião especial.
Tenho saudades de me fartar de gastar gasóleo à conta de ir ter com miúdas parvas, mas engraçadas.
Tenho saudades de não saber o abençoado que era por não saber as saudades que ia ter.
Tenho saudades de não ter saudades.